domingo, 14 de setembro de 2008

Sorvete

Em detrimento a todo e qualquer movimento externo, ela mexia as pernas, uma sobreposta a outra e meio esticadas: era movimento de reflexão. Reflexão amparada pelo gosto doce e prazeroso da gordura saturada, um delicioso sorvete com caldas tantas...

Os olhos, hipnotizados, não desviavam um milímetro sequer do derretimento guloso daquela densidade pastosa. A boca exercia o ato de comprimir a massa-pastosa-gelada com a língua no céu da boca, ouriçando, assim, as papilas gustativas que, eretas, estimulavam um certo ‘doce viver’. Seu corpo volumoso descansava sobre a protuberância recheada de tecido adiposo irrigado sofregamente pelo coração que batia em ânsias.

O sorvete gelava aquela mulher obesa que esquecia, reflexiva, o quente-rubro que nunca derrete, antes, umedece. Aliviada em respirações entrecortadas pela má posição ortopédica seguia, ainda, o ritmo das pernas que balançavam reflexivas; era o regozijo de uma vingança que latejava naquele sorriso melado pelo sorvete que escorria gelado no cantinho dos lábios em líquido escuro: chocolate.